Certa vez conheci um cara. Uma pessoa comum, divertida, que adorava brincadeiras e palhaçadas no geral, que sabia como conquistar as outras pessoas. Mas então ele começou a frequentar a minha casa... e eu passei a perceber algumas mentiras dentro do seu discurso.
Há quem diga que isso é fundamental para o bom funcionamento da sociedade, afinal, se todos dissessem a verdade sem concessão, o mundo seria um caos. Há uma linha tênue entre o que é ou não aceitável nesses casos, e não vou entrar nesse mérito, mas quando uma pessoa passa a bajular em público quem mais critica no privado para os outros, apenas para ser bem quisto, já passa do limite que considero aceitável. Não estou falando apenas de um elogio saudável ou um reconhecimento merecido, estou falando do famoso “baba ovo”.
Li uma matéria recentemente que falava exatamente sobre isso, e tendo em vista todos os exemplos que conheço, resolvi pesquisar mais a fundo.
De acordo com o dicionário, a “hipocrisia é o ato de fingir ter crenças, virtudes, ideias e sentimentos que a pessoa na verdade não as possui. A palavra deriva do latim hypocrisis e do grego hupokrisis, ambos significando a representação de um ator”.
O primeiro ponto é que hipócritas adoram pessoas que tenham poder. Tenhamos esse cara que cite como exemplo. Quem ele sempre criticava era uma pessoa com certo “poder” e influência dentro do nosso círculo social, uma espécie de guia. Mas era também uma das pessoas que ele mais paparicava e elogiava em público.
Winnicott nos deu o conceito de falso self como uma pseudo-personalidade. Quando crianças, nossos pais são os responsáveis por formar nossa mente, através do amor nos proporciona uma ‘energia vital’, que vai determinar como nos desenvolvemos e progredimos. Isso está ligado ao fato de que nos primeiros anos pode nos ter sido negada a possibilidade de sermos plenamente nós mesmos (true self). O assunto é bem mais complexo que isso, repleto de outras camadas psicológicas, mas ao ter sua própria personalidade sobreposta pela da mãe, a espontaneidade da criança é inibida e, desde cedo, lhe é informada como deve atuar na sociedade.
Em algum momento entre a infância e a vida adulta, esses atores passam a focar de tal fora no que as pessoas pensam, nas convenções sociais e religiosas, que já não possuem referências em si mesmos, então criam um falso self, uma persona perfeita para exibir ao mundo, sujeita aos desejos e interesses do Outro. É um ator representando o papel que a sociedade quer ver: o ator submisso.
Um elenco perfeito para a Sociedade do Espetáculo de Guy Debord, onde máscaras escondem pessoas vazias e anuladas, que através de uma atuação perfeita buscam o elogio que precisam para sobreviver. E quando o ator consegue alguma coisa de valor, o mundo todo ficará sabendo e, consequentemente, irá aprovar, afinal, ele precisa de validação.
Dessa forma, voltando ao tema principal desse texto, os hipócritas vão atrair atenção de todas as formas possíveis, estampar todas as suas qualidades (sejam elas verdadeiras ou não) exacerbadamente, mostrar as roupas de marca, os ternos bem alinhados e os vestidos caros. São pessoas eloquentes, advogados da razão e perfeitos seres sociáveis que se colocam no primeiro lugar do pódio, ao mesmo tempo em que possuem uma autoestima tão baixa que precisam rebaixar os demais para se sentirem bem.
Eu sempre soube que hipócritas como esses existiam, mas foi apenas quando a hipocrisia se tornou parte do meu convívio mais próximo que percebi o quanto é tóxica.
Esse cara que eu conheci, em especial, gabava-se de suas qualidades constantemente, adorava ostentar roupas da Zara e ser o centro das atenções, o nômade que passava por todos os grupos para deixar a sua presença. Fazia comentários predatórios sobre alguma fraqueza ou defeito alheio, uma pessoa estrábica, por exemplo, era o alvo de piadas infames. Foi uma pessoa que desejava ser de outra etnia apenas para conseguir mais pontos através de cotas, mas ao mesmo tempo caçoava dessas mesmas pessoas sem ao menos pensar. A pior parte, e a que me deixa mais triste, é que esse ator não tinha amigos, apenas colegas de uma convenção social, então dificilmente verá a toxicidade dessa teia de valores destorcidos, tecida desde a infância.
E não me levem a mal, ninguém está livre da hipocrisia, eu mesma posso ser algumas vezes, mas conto com os meus amigos para me alertarem. Uma vida baseada em mentiras hipócritas é uma vida sem sentido, e quero muito mais que isso. A única coisa que peço, no fim das contas, é que não se surpreendam caso eu prefira me afastar de pessoas assim.
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