Já era tarde quando Nicolas olhou no relógio sobre a mesa. Estava há horas naquele escritório e já não aguentava mais. Quando saiu e fechou tudo, suspirou aliviado... era sua última noite trabalhando até altas horas e à sua frente quase um mês inteiro de férias lhe esperavam.
Mal podia esperar para chegar em casa e encontrar a família para a ceia de natal, não pensara em outra coisa a tarde toda! Pernis enormes, as tortas recheadas da tia Lúcia, os doces da vovó e até a inseparável farofa do irmão mais novo; a mesa certamente estaria posta quando chegasse, as guirlandas nas janelas e a árvore acesa com os mais lindos e delicados enfeites que sua esposa poderia comprar.
Cansado, guardou as chaves no bolso e dirigiu-se ao ponto, as ruas já estavam desertas àquela altura e a iluminação pública não era das melhores. Todas as lojas estavam fechadas, é claro, mas as vitrines continuavam acesas, ostentando os presentes que as pessoas deveriam comprar. Os manequins, entretanto, pareciam rir para ele, era estranho e provavelmente obra de sua mente cansada, e apesar do arrepio na coluna, continuou seu caminho.
Mas a sorte não parecia estar ao seu lado naquela noite, pois assim que chegou ao ponto o último ônibus do dia já cruzava a próxima esquina. Praguejando em silêncio, percebeu que não havia alternativas e deveria seguir andando. Não era tão longe assim e uma caminhada sempre faz bem... certo?
Continuou andando tranquilamente, a imagem da toalha vermelha de sua mãe sobre a mesa em fartura ainda era dona de atenção, sonhara com a ceia quase a tarde toda! Mas, novamente, Nicolas era um homem de pouca sorte... E a luz apagou!
Forçando os olhos a enxergar na escuridão da noite, tudo que via com clareza eram os pisca-piscas coloridos encapando as árvores, xingou mentalmente quando percebeu que até mesmo os postes da calçada estavam apagados. Mesmo no escuro, continuou caminhando... e ao cruzar a esquina... passos!
- Quem está aí? – perguntou em voz alta olhando para trás.
Nada.
Embora não estivesse preocupado em estar sozinho na madrugada de 24 de dezembro enquanto se convencia de que a família o estava esperando, não pode deixar de acelerar a caminhada forçada. E então mais passos.
Dessa vez começou a ficar preocupado, novamente virou o rosto para a rua escura e... nada. Impaciente, acreditou que era apenas algum ladrão ou morador de rua querendo lhe pregar uma peça, mas tudo estava tão estranhamente quieto... Continuou seu caminho mais apreensivo, fora uma péssima ideia ficar até mais tarde e perder o ônibus.
Péssima, péssima ideia.
Os passos atrás de si ficavam mais rápidos e, embora olhasse diversas vezes, tudo que encontrava era uma rua apagada e sem vida... Dessa vez não escondeu o medo que lhe afligiu e tentava dizer a si mesmo que era apenas algo de sua cabeça, mas como contestar quando latas pareciam despencar em uma das vielas?
E então correu.
Com o coração pulando em seu peito, assustado, ouviu mais passos em sua direção, já não havia nada que lhe dissesse que tudo ficaria bem e ele precisava chegar em casa o mais rápido possível!
Mais, mais rápido!
Conforme os passos aumentavam, seu medo crescia. Se gritasse... alguém o ouviria?
Correu, seguiu e apressou-se até que finalmente encostou-se num muro para recuperar o fôlego. Alguém se aproximava rapidamente e ele sabia que sair de casa era uma péssima, péssima ideia.
Não, não, não, não, não!
Seu coração palpitava como se não houvesse um amanhã, e de certa forma até ele acreditava nisso. As veias pareciam saltar de sua pele e as pernas tremeram quando uma das lixeiras da rua caiu “sozinha” e um gato miou.
Péssima, péssima ideia.
Nicolas engolia em seco e olhava para os lados... e nada, nada, nada, nada, nada, nada, nada!
Mais passos...
Ele voltou a correr em desespero, sua mente tentava lhe dizer que era apenas fruto da imaginação, mas como acreditar?!
Como simplesmente ignorar as latas retorcidas do portão da esquina tilintarem?
Ou não prestar atenção quando os cães da vizinhança começaram a latir?
Por Deus! Faltava tão pouco... estava tão perto!
Só mais alguns minutos, virar a esquina e... cuidado!
Os passos o deixavam nervoso e descontrolado, nunca sentira tanto medo em sua vida e duvidava que algo normal estivesse acontecendo. As mãos já estavam nos bolsos e procuravam desajeitadamente as chaves de casa, mas tudo que encontrava eram papeis de bala e moedas inúteis. Correu ainda mais rápido, não acreditava que seria pego daquele jeito... é assim que acaba? Essa era a sensação de partir?
As mãos suavam e Nicolas já não estava em seu estado normal. Enquanto corria ficava ainda mais certo que sair à noite era uma péssima, péssima ideia.
E foi então que tropeçou nos próprios pés quando mãos frias fechavam-se em seus pulsos. Estava desesperado e tentava a todo custo fugir daquelas... NÃO! Não podia acabar assim!
Tia Lúcia o esperava, não? Sua família... todos eles estavam...
Esperando?
Estava à beira da loucura...
- Já chega por hoje Nicolas, vamos para casa... – disse um dos enfermeiros do Hospital Psiquiátrico.
Ahhh sim, fora uma péssima ideia fugir...
péssima, péssima ideia.