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  • Foto do escritorStéfane Franco

Artigo Científico: "Comunicação, mídia e tecnologia"


COMUNICAÇÃO, MÍDIA E TECNOLOGIA:

“SUBSTITUTOS” (SURROGATES, 2009) E A LIQUIDEZ DE ZYGMUNT BAUMAN.

Apoio: PIBIC Mackenzie


Resumo

O presente artigo pretende fazer uma breve análise das ideias do sociólogo polonês Zygmunt Bauman em paralelo com o longa-metragem “Substitutos” (Surrogates, 2009), que faz uma clara alusão às relações humanas, cada vez mais superficiais e momentâneas, deterioradas pela escassez, em sua maioria, à sensibilidade humana. À luz dos ideais de Bauman acerca da Modernidade Líquida, pretende-se tecer uma relação entre a obra cinematográfica e a realidade, bem como a problematização das relações humanas que vêm sido substituídas por simulacros. Para tanto, foram utilizados os conceitos de Jean Baudrillard em “Simulacros e Simulação” (Simulacres et Simulation), apresentando o quanto as relações interpessoais estão se transformando em falsificações realistas. Envolvendo aspectos da nova modernidade, a era do consumo – que cada vez mais se apodera do ser humano – e as consequências para o mundo publicitário contemporâneo, Guy Debord traz à discussão a questão de como as imagens apresentadas no cotidiano formam um pseudomundo, que atrai as pessoas e as transforma numa Sociedade do Espetáculo, uma sociedade tecnológica presa num ciclo Carpe Diem. Tem-se, também, Platão e a Alegoria da Caverna, numa alusão distorcida à trama do longa-metragem, sempre presente no artigo e chave fundamental para entender e problematizar as relações humanas contemporâneas, relações estas modernas, porém, vazias de sua história.

Palavras chave: Modernidade Líquida; Consumo; Publicidade.

Abstract

The present article intends to make a brief analysis of the Polish sociologist ideas Zygmunt Bauman alongside the feature film "Substitutos" (Surrogates, 2009), which makes a clear reference to human relationships, more and more superficial and momentary, damaged by the scarcity, mostly to human sensitivity. In light of the ideals of Bauman about Liquid Modernity, is intended to weave a relation between cinematographic work and the reality as well as the questioning of the human relationships which have been replaced by simulacrums. Therefore, the concepts of Jean Baudrillard were used in "Simulacra and Simulation" (Simulacres et Simulation), showing how interpersonal relationships are becoming realistic fakes. Involving aspects of the new modernity, the era of consumption - that more and more seizes the human being - and the consequences for the contemporary advertising world, Guy Debord moots the question of how the images presented in the everyday forms a pseudo-world, which attracts people and transforms them into a Spectacle Society, a technological society trapped in a Carpe Diem cycle. There is also Plato and the Allegory of the Cave, a distorted allusion to the feature film's plot, always present in the article and fundamental key to understand and question the contemporary human relationships, which are modern but empty in its history.

Keywords: Liquid Modernity; Consumption; Advertising

  1. INTRODUÇÃO

Zygmunt Bauman, sociólogo polonês, já dizia que a Pós-Modernidade – denominada por ele como Modernidade Líquida – era sinônimo de Crise de Identidades; uma liquidez nas relações humanas que afastam pessoas que deveriam se unir. Antes, entretanto, os relacionamentos entre pessoas eram sólidos e táteis, mas com o passar dos anos e com o avanço da tecnologia essas relações fragmentaram-se e se dissolveram. Com isso, a interação entre as pessoas e a maior parte de suas vidas acontece, em sua maioria, dentro de um computador. Acabaram-se, assim, os jantares em que se reunia a família toda ao redor da mesa, a camaradagem entre vizinhos e os casamentos duradouros... Tudo está em rede, é instável e individual.

A tecnologia trouxe adventos maravilhosos à sociedade, permitiu inúmeras descobertas e transformou-se em um meio através do qual a humanidade pode superar suas limitações, fugir de seus problemas e até mesmo resolvê-los... Mas uma inexplicável ambiguidade cresceu em paralelo quando o conceito do real mesclou-se à ficção de tal forma que já não há distinção entre ambos.

No decorrer da história, os homens lutaram por liberdade, porém, tinham seus relacionamentos sólidos. Agora que conquistaram a liberdade, têm a liquidez moderna, controlados pelo sistema que criaram. Desde que se entende por gente, a humanidade busca se aprimorar, tanto da mente quanto do corpo, e o século XX foi o grande boom desse processo. Mal se recuperando de duas Guerras Mundiais seguidas, a sociedade europeia ainda cuidava de seus feridos quando dois grandes blocos passaram a disputar pela hegemonia mundial. Estados Unidos da América propondo o capitalismo e a União Soviética com o modelo socialista.

Numa corrida armamentista, os dois blocos se preparavam para uma possível guerra e muniam-se de todo e qualquer recurso. Com isso, a indústria evoluiu e a tecnologia demandou grandes descobertas, como o poder das micro-ondas sobre os alimentos, a cura de doenças nos antibióticos e, talvez um dos inventos mais geniais, o computador e a internet, os primeiros passos para o avanço inimaginável que tem-se hoje.

Com a tecnologia, vieram as imagens e a propaganda. A década de 60 pipocava com movimentos jovens e bombardeios imagéticos. A felicidade era erroneamente vendida como garantia de todos, o corpo passou a ser cultuado e um modelo de perfeição nasceu. Era a globalização apontando, novos valores crescendo e modificando a concepção de identidade, e o consumo e o espetáculo substituindo os antigos valores em uma evidente degradação do ser para o ter (DEBORD, 1997). O mundo estava de pernas para o ar e, ainda hoje, vê-se esta mesma confusão.

Bauman a vê [globalização] como uma “grande transformação” que afetou as estruturas estatais, as condições de trabalho, as relações entre os Estados, a subjetividade coletiva, a produção cultural, a vida quotidiana e as relações entre o eu e o outro. (BAUMAN, 2005, p.11)

O filme Substitutos (Surrogates), lançado em 2009 sob a direção do norte-americano Jonathan Mostow e baseado nos quadrinhos de Robert Veditti, é uma obra de ficção científica que conecta-se subjetivamente à Modernidade Líquida, mostrando uma sociedade futurista perfeita que, finalmente, encontrou a cura para a velhice e a solução para todos os problemas cotidianos, como exposição a vírus e bactérias, doenças ou acidentes graves: os Substitutos – ou Surrogates –, humanoides desenvolvidos com a aparência humana que saem nas ruas no lugar das pessoas, assumindo os riscos diários e vivendo sem preocupações, enquanto os seres humanos os controlam através de máquinas em suas casas.

Problema de pesquisa e objetivos

Pensando nisso e na tendência ao distanciamento entre as pessoas, o presente artigo tem como principal indagação o modo como são tecidas as relações interpessoais no filme em paralelo à realidade humana sob a ótica de Zygmunt Bauman.

Desde que os Estados Unidos da América e a União Soviética se enfrentaram no período da Guerra Fria, uma bomba imagética invadiu todos os cantos da Terra e consumiu os seres humanos. Para a publicidade, explorar essas relações é fundamental, pois para atingir o consumidor deve-se fazer um estudo do target – público alvo – e, através dos dados coletados, cruzar as informações e gerar um valor para o produto, beneficiando o cliente. Portanto, é de suma importância saber como a modernidade se comporta e influencia a sociedade.

Logo, como objetivo primário tem-se a problematização das relações humanas que vêm sendo substituídas por simulacros – conceito desenvolvido por Jean Baudrillard para simulações malfeitas do real – que, contraditoriamente, são mais atraentes ao espectador do que o próprio objeto reproduzido. Um forte exemplo são as mensagens instantâneas nas redes sociais. Atualmente, há a possibilidade de namorar através de videoconferência e até mesmo simular relações ou construir amizades, nisso, o contato físico desaparece, a emoção de se estar ao lado daquela pessoa e a familiar sensação do toque tornam-se fragmentadas e transformam a relação em artificial e “fria”.

Charles Handy, teórico da administração, concorda: “engraçadas podem ser, essas comunidades virtuais, mas elas criam apenas uma ilusão de intimidade e um simulacro de comunidade”. Não podem ser um substituto válido de “sentar-se a uma mesa, olhar no rosto das pessoas e ter uma conversa real”. Tampouco podem essas “comunidades virtuais” dar substância à identidade pessoal – a razão básica para procurá-las (BAUMAN, 2005, p.31).

Em objetivos secundários, este artigo pretende tecer uma relação entre o filme e a realidade, entrelaçando uma trama que envolve aspectos da nova modernidade e a era do consumo, que cada vez mais se apodera do ser humano, e suas consequências para o mundo publicitário contemporâneo.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

Para a realização deste artigo foram utilizados diversos campos teóricos. Zygmunt Bauman (1925) é a grande chave do projeto, logo, seus conceitos em Modernidade Líquida e a questão de afastamento foram essenciais para a compreensão do termo e aprofundamento de uma análise empírica da sociedade contemporânea. Jean Baudrillard (1929-2007), por sua vez, reforça a ideia de que nada é real, mas uma simulação malfeita e que, assim como no filme, a ficção passa a ser real. Outro filósofo abordado é Guy Debord (1931-1994), que com a força do pensamento de Marx faz uma crítica à sociedade capitalista e a caracteriza como “Sociedade do Espetáculo”.

Fazendo uma analogia à antiguidade clássica, Platão também contribuiu para o artigo com sua obra “A República”, onde apresenta a Alegoria da Caverna, essencial para a compreensão do texto. Jair Ferreira dos Santos (1946), por outro lado, entra como uma panorâmica do contexto moderno e pós-moderno enquanto demais artigos acadêmicos dão o devido suporte à discussão.

3. METODOLOGIA

Em um primeiro momento, para identificar as mudanças nas relações interpessoais, possíveis alterações no consumo e o contexto em que estão inseridas - tendo como elã o filme “Substitutos” – foram utilizados dados já existentes em fontes secundárias, como livros publicados, sites e artigos acadêmicos, em paralelo à leitura dos teóricos mencionados acima.

Realizar uma pesquisa de campo foi considerada desnecessária e dispensável, sem prejuízo de compreensão. Logo, todo o artigo foi baseado em questões teóricas e observações humanas, que provaram-se mais eficazes para o presente trabalho.

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Modernidade Sólida

Antes de qualquer coisa, é necessário esclarecer que, muito antes da Modernidade Líquida que será trabalhada no texto, para Bauman, existiu a Modernidade Sólida, um período repleto de revoluções que se iniciou a partir do século XV, enquanto a Era Moderna crescia e destruía os antigos padrões da Idade Média, construindo novos estilos de vida em paralelo ao crescente capitalismo. Novos padrões eram criados com a Guerra Fria e as Guerras Mundiais, mas ainda eram sólidos e pensados a longo-prazo.

Com o Iluminismo, o homem percebeu que a natureza não o dominava, mas sim o contrário; o poder que a Igreja instituía estava caindo e, com isso, o homem passou a ser o centro do mundo, questionando as ideias impostas até então e abrindo caminho para a Revolução Industrial, que consolidou o início da modernidade e a ascensão do capitalismo. E foi então que Bauman percebeu que os antigos – e sólidos – padrões estavam “derretendo” em detrimento de novos, padrões aperfeiçoados e revolucionários.

Os projetos que antes eram voltados ao alcance de objetivos em comum na sociedade perderam força e o individual se sobressaiu. Depois de anos a serviço de outros homens e da religião, o ser humano percebeu que estava na hora de servir a si próprio.

Modernidade Líquida

Zygmunt Bauman, erroneamente confundido como autor pós-modernista, observou que, novamente, a sociedade evoluía e transformava-se, alterando seus costumes e relações interpessoais. Mas dessa vez não era uma modernidade sólida, com relacionamentos duradouros, e sim um sentimento de fluidez que ganhava espaço e instituía a vida como algo instantâneo.

O progresso e o desenvolvimento da tecnologia avançaram absurdamente e logo surgiu a Modernidade, um período do século XX com o objetivo de romper com o tradicionalismo europeu, que até então reinava no mundo. A razão como integrante da verdade absoluta foi dissolvida para dar espaço à crítica e o modernismo, por conseguinte, veio como uma rebeldia à representação realista do mundo e do sujeito na arte (SANTOS, 2000).

O individualismo é um ponto chave da Modernidade, porém, a partir dos anos 50 o mundo foi atingido por uma avalanche de inovações tecnológicas e comportamentais, a mídia ganhou força e o individualismo moderno alçou um novo estágio: a Pós-Modernidade, ruptura com a própria Modernidade e o Iluminismo. Em “A cultura no mundo líquido moderno” (2013), Bauman problematizou a individualização do homem, mas seu ponto chave foi a afirmação de que a cultura já não é humana, mas de grupos isolados. Assim, mesmo que os tempos tenham mudado, o individualismo ainda tinha força. “Não se engane: agora, como antes – tanto no estágio leve e fluido da modernidade quanto no sólido e pesado –, a individualização é uma fatalidade, não uma escolha” (BAUMAN, 2001, p.47). Fragilizado e sozinho, o homem pós-moderno pode, enfim, ser seduzido pelas imagens e o capitalismo e consumismo dominaram a maior parte do planeta.

Foi uma fase de ideias e pensamentos livres de objeções, não havia uma verdade objetiva e cada um criava a sua própria. Assim, a vida humana fragmentou-se ainda mais e inúmeros pensadores sociais filosóficos vieram para estudar essa mudança no comportamento, dentre eles Zygmunt Bauman. Para ele, entretanto, não existe uma Pós-Modernidade, e sim uma continuação narcisista da Modernidade.

O pós-modernismo está associado à decadência das grandes idéias, valores e instituições ocidentais - Deus, Ser, Razão, Sentido, Verdade, Totalidade, Ciência, Sujeito, Consciência, Produção, Estado, Revolução, Família. Pela desconstrução, a filosofia atual é uma reflexão sobre ou uma aceleração dessa queda no niilismo. Niilismo - da palavra latina nihil = nada - quer dizer desejo de nada, morte em vida, falta de valores para agir, descrença em um sentido para a existência. (SANTOS, 2000, p.72)

De acordo com o Dicionário Online da Língua Portuguesa Houaiss, líquido é definido como adjetivo de três sílabas daquilo 1 Que flui ou corre, tendendo sempre a nivelar-se e a tomar a forma do vaso que o contém. 2 Xaroposo, viscoso. 3 Ajustado, apurado, liquidado, verificado. 4 Com Livre de descontos; livre de despesas. 5 Disponível, não empatado: Dinheiro líquido. 6 Com o peso da embalagem deduzido: Peso líquido. 7 Gram Designativo das consoantes que se combinam facilmente com outras, como o l e o r. Dir: diz-se de tudo o que tem existência atual não sujeito a dúvidas ou incertezas e se encontra determinado em sua própria qualidade e quantidade.

Dessa forma, tudo aquilo que for líquido será fluido, sem forma e extremamente maleável, uma época em que nada é feito para realmente durar.

Partindo disso, Bauman chama de Modernidade Líquida a sociedade que perdeu a capacidade de seguir perspectivas duradouras e bem definidas para um período fluido, líquido, ignorante às divisões e barreiras. Sua capacidade de se adaptar, como o próprio líquido, é imprescindível para sobreviver nas constantes inovações, dando ao ser humano o “poder” de ocupar espaços, assumir formas diversas e diluir todas as certezas, crenças e práticas do mundo sólido – a chamada modernidade, com crenças e valores bem definidos.

O pós-modernismo desenche, desfaz princípios, regras, valores, práticas, realidades. A des-referencialização do sujeito, motivadas pela saturação do cotidiano pelos signos, foram os primeiros exemplos. Muitos outros virão. (SANTOS, 2000, p.18)

Em suma, Modernidade Líquida trata de uma crítica à Pós-Modernidade, quando todos os valores considerados antigos foram perdidos; assim, uma sociedade líquida não tem forma e se transforma rapidamente por meio da tecnologia. Parafraseando Karl Marx e a icônica frase de que “tudo que é sólido se desmancha no ar”, Bauman afirma que na modernidade acontece uma transformação ampla dos paradigmas antes instituídos, fragmentando o indivíduo e deixando-o fluido e moldável. A educação, a solidez do casamento e família dão espaço a novas formas de comportamento, os laços humanos são facilmente substituídos e já não importa a qualidade, mas a quantidade, a busca pelo prazer individual.

Assim, a sociedade torna-se desregulamentada, afinal, é o mercado que dita as regras, e essas regras surgem por fins econômicos capitalistas: vencer os concorrentes e atingir o sucesso. Consequentemente, o ser humano deve se adaptar diariamente ao mercado e moldar-se a isso, dificultando possíveis projetos de vida a longo prazo, afinal, uma crise pode surgir do nada e derrubar o país, causar milhares de desempregos e, novamente, obrigar o homem a moldar sua vida. “Vida Líquida” (2007) foi uma das obras de Bauman a analisar a estrutura econômica e social com base no que é descartável e efêmero, retornando ao tema da fluidez contemporânea.

Marx já dizia sobre como os valores se tornam coisas e como as coisas saem de moda, e ele não poderia traduzir melhor toda uma época. Com a Modernidade Líquida, as ambiguidades, incertezas e fragmentações são constantes imutáveis e fatores inerentes às mais de 30 obras de Zygmunt Bauman, que já com mais de 90 anos soma 8 livros que trabalham o conceito de “líquido” logo no título da obra.

Paralelamente a isso, tem-se o mundo fictício de 2054, quando a sociedade desenvolveu-se a tal ponto que androides substituem as pessoas em suas tarefas diárias, combinando a habilidade de uma máquina à desenvoltura do corpo humano, já que a mente de seu usuário estaria conectada à máquina. Uma possibilidade extraordinária de segurança para os seres humanos, pois caso o Surrogate – SUB ou Substituto, em tradução livre – fosse ferido ou “morto”, o usuário não sentiria absolutamente nada. Não havia então a necessidade de saírem de seus quartos, onde cadeiras computadorizadas conectam um Surrogate ao seu operador – devidamente registrado – através de uma assinatura neural, dando-lhe o poder de controlá-lo em tempo real como se fosse o próprio corpo, um “videogame em 3D”.

Atendo-se à obra cinematográfica, há um claro padrão de beleza, especialmente quando se pode moldar facilmente a aparência física dos humanoides, extinguindo corpos velhos ou defeituosos, manchas na pele ou mesmo sinais de expressão. Desta forma, uma pessoa de sessenta anos poderia controlar um androide com sua aparência aos vinte, longe de qualquer estranhamento perante a sociedade, afinal, “os robôs combinam a tecnologia necessária para melhorar a beleza da forma humana, tornando a vida mais segura e melhor. Simplificando as coisas pra vocês. [...] Você pode viver sua vida sem limitações, e pode ser quem quiser no conforto de sua casa. Faça o que quiser, seja quem quiser. Apenas melhor” (MOSTOW, 2009, 85’). Com esse discurso, a VSI, empresa responsável pela fabricação dos humanoides, consegue convencer seus clientes em poucos minutos.

Em 2011 a obra “44 cartas do mundo líquido moderno” reuniu uma coletânea do autor sobre assuntos relacionados à modernidade, mas sempre tratando de uma questão fundamental: Como separar o que é importante e significativo do que é supérfluo e descartável? Paralelamente, Bauman notabiliza que inúmeros fatos aparentemente casuais e desconectados, juntos, reforçam a aflição do homem no mundo líquido: buscar sua identidade. Na realidade de Surrogates, não existem contatos físicos reais ou identidades, mas sim simulações; os prazeres da vida sentidos unicamente por aparelhos estimuladores, sensações momentâneas, artificiais e descartáveis.

Na antiguidade clássica – longo período da história da Europa que se estende aproximadamente do século VIII a.C. à queda do Império Romano do ocidente no século V d.C. –, os gregos pregavam um modo de vida quase hedonista. Diziam que, para se ter um resultado satisfatório em qualquer trabalho, deveriam aproveitar de um momento de lazer. Daí vêm as famosas termas gregas, salas de banho coletivo – que com o tempo expandiram-se e logo surgiram em anexo bibliotecas, museus e jardins – onde as pessoas se reuniam para conversar. Esse momento de lazer era chamado Carpe diem, viva o momento. É o prazer imediato, sem preocupações com o futuro.

Não seria o hoje, século XXI, um reflexo distorcido da política de aproveitar o agora sem preocupações com o depois? Vê-se muito nas produções cinematográficas, como Surrogates, e até mesmo no comportamento humano observável diariamente nas ruas que o “temporário” tornou-se mais apetecível e, nas palavras de Carlos Drummond de Andrade, eterno enquanto dure. É claro que não podem ser deixados de lado determinados grupos de pessoas que realmente possuem um planejamento e pensam em tudo antecipadamente, mas são a minoria. Tanto em comerciais quando numa peça publicitária vende-se o prazer do agora, o carpe diem. Mas a expressão em latim não é de todo ruim, pois os gregos prosperaram grandemente com essa política; sabiam que o lazer é necessário, mas também que a vida não é feita apenas disso. Prova é o grande atraso tecnológico da Grécia Antiga, que acreditava já ter inventado tudo que precisava – imagine!

Quando os agentes Greer e Peters, do FBI, recebem, pela primeira vez em quinze anos, um caso de assassinato no qual pessoas são encontradas mortas em seus quartos por ferimentos em seus androides – o que teoricamente era impossível –, Surrogates deixa a linha de conforto e passa para um novo estágio no longa-metragem para descobrir o que estava acontecendo, e após Tom Greer ser obrigado a abandonar seu androide, inicia-se então um choque de consciência... O que é real?

Cada vez mais a humanidade se transforma e, nesse processo, conquista o mundo cibernético a cada minuto de sua existência. Zygmunt Bauman já dizia que a Pós-Modernidade era sinônimo de Crise de Identidades, exatamente como o filme mostra. No longa, Tom é casado com Meg Greer, mas mesmo morando na mesma casa, quase não se falam fora dos SUBs. O filho do casal havia morrido em um acidente de carro anos antes, mas Meg nunca superou e encontrou no Surrogate uma forma de incentivo para levantar da cama todos os dias, afinal, poderia ser como quiser, a mulher perfeita com o corpo perfeito. Poderia viver uma ilusão, longe da realidade onde perdeu um filho.

Quando a questão de aproveitar o momento esbarra no conceito de realidade, tem-se situações como as de um comercial de margarina (clássico da propaganda contemporânea), por exemplo, que vende uma família feliz em um café da manhã feliz, mesmo sabendo que os consumidores não têm aquela família – especialmente se for levar em consideração que, no século XXI, um relacionamento amoroso não se faz necessariamente entre um homem e uma mulher com dois filhos e um cachorro – do comercial e, muitas vezes, saem de casa para o trabalho sem ao menos comer. Mas na telinha aquela pausa é o “cantinho da felicidade momentânea”, um passe para o carpe diem diário antes de enfrentar as ruas e o estresse do trabalho. E justamente por isso as pessoas passam a acreditar cada vez mais nesses momentos de prazer temporário enquanto a publicidade explora esse campo.

Assim como em Surrogates, não há uma interação entre as pessoas e a maior parte de suas vidas existe apenas dentro de um computador. Quase no final do filme, Lionel Canter – pai/criador dos Substitutos – ameaça Greer com uma arma e pergunta se ele está sentindo o pulso acelerado, “o aumento da consciência, saboreando cada sensação como se fosse a última? Você perdeu isso, todo mundo perdeu isso.” Embora tenha uma arma envolvida, a situação é recorrente no mundo contemporâneo, especialmente se for pensar nas redes sociais e em como as relações físicas foram substituídas pelas virtuais.

no olhar de Bauman, incentivam a constante substituição, jamais a fixação, e projetam um indivíduo oscilante, volúvel e cronicamente insatisfeito, que não encarnaria de fato o status de cidadão, mas sim, o de consumidor. (NEGRI, 2012, p.87)

Tudo está, majoritariamente, em rede, é instável e individual, itens notórios na obra “Modernidade Líquida” (2001), a primeira lançada pelo autor a levar em seu título o conceito de Bauman; nele, o autor trabalha com a transição da modernidade sólida para a líquida, o que gerou mudanças em todos os aspectos da vida cotidiana. Mas foi apenas em 2004 que, com a publicação de “Amor Líquido”, Bauman realmente explodiu em notoriedade, transformando-a no maior sucesso de sua carreira. Aqui, o assunto já é mais específico e Bauman foca em como as relações humanas tornam-se cada vez mais efêmeras e “flexíveis”, gerando insegurança e até mesmo medo.

A imagem seduz de tal forma que chega o momento em que o conceito do real mesclou-se à ficção, destruindo qualquer distinção entre ambos. Para Guy Debord (1997, p.18), “quando o mundo real se transforma em simples imagens, as simples imagens tornam-se seres reais e motivações eficientes de um comportamento hipnótico”, e foi aí que Meg encontrou a motivação que precisava para viver. Num dos diálogos entre o casal, Tom

convida sua esposa pra passarem mais tempo juntos, sem ser com o contato proporcionado pelas máquinas. Sua esposa prontamente diz não haver necessidade já que os substitutos são representantes fiéis deles mesmos. Ele responde que não é a mesma coisa e ela concorda dizendo: “Não é a mesma coisa. É melhor.” (FONSECA, ano, p.7)

Tom, por outro lado, precisou de algo mais simbólico para isso. Em muitas culturas, para que alguém possa renascer e cumprir sua missão, é preciso, antes, morrer. Um discurso mítico presente em quase todos os livros. Quando Greer ainda tinha seu SUB, partiu para uma perseguição do suspeito das mortes “sem sentido” que o levou até a Área dos Dreads, um espaço não monitorado para a minoria que era contra o uso de substituição, proibido para as máquinas. “Olhem para si mesmos. Despluguem-se de suas cabeças, explorem o espelho: o que veem é como Deus os fez. Não fomos feitos para viver no mundo através de uma máquina”, diz o Profeta, o protetor e “mestre” da Área dos Dreads.

Greer não conseguiu capturar o suspeito, pois seu SUB foi destruído no processo, quase levando-o a morte também. A partir daí, o agente Greer morre e Tom renasce, simbolicamente. “Toda a vida das sociedades nas quais reinam as modernas condições de produção se apresenta como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo o que era vivido diretamente tornou-se uma representação” (DEBORD, 1997, p.13), e quando a representação foi destruída, Tom permitiu-se viver como deveria.

O mundo dos Surrogates tinha uma velocidade acima do normal para os seres humanos acompanharem, especialmente após tanto tempo sentado numa cadeira, no escuro, para controlar os SUBs. Logo, quando Tom deixa de usar seu substituto na rua, é como se estivesse cego ao sair na luz.

Faz-se então uma alusão à Alegoria da Caverna, passagem da obra “A República”, de Platão. Segundo ela, todos os homens, desde o nascimento, estariam acorrentados em uma caverna escura de tal forma que jamais poderiam olhar para os lados ou pra trás, o que restringia sua visão apenas à parede do fundo da caverna. Atrás deles havia uma fogueira, e essas chamas projetavam sombras na parede, a única visão e compreensão do mundo exterior, a verdade absoluta. Assim, acreditavam piamente no que viam, condicionados. E enquanto a maior parte estava satisfeita com aquilo, um homem, certo dia, conseguiu se livrar das correntes e fugiu, mas por ser acostumado à escuridão quase ficou cego com a luz do sol. Todas aquelas sombras nas paredes não passavam de ilusões projetadas e distorcidas, o mundo exterior era a verdadeira realidade!

Ao voltar para a caverna para contar as boas novas e tirar todos daquela situação, ninguém quis acreditar, pois já se sentiam confortáveis com a situação que viviam, aquela era a sua realidade e ninguém os faria mudar de opinião, nem mesmo alguém que deixou o conforto da caverna para explorar o exterior. Por fim, o homem foi taxado de louco e assassinado.

É perceptível o quanto a Alegoria da Caverna encaixa-se perfeitamente no contexto atual, quando o espetáculo nas telas da televisão são mais verdadeiras que uma notícia jornalística. Quantas vezes um discurso propagado na internet através de páginas específicas de notícias falsas é tido como verdadeiro pela maior parte da população? O mesmo acontece na política, economia e todos os setores do país. A Alegoria da Caverna de Platão é quase uma metáfora para o “hoje”, e Surrogates pode ser entendido como uma extensão desse condicionamento por imagens.

E falando em imagens... A imagem ganhou um forte apelo na sociedade contemporânea, criando uma simulação do mundo considerado real. Acerca disso, simulacro é criado como sinônimo de simulação – como a “família margarina” –, um mundo simulacional onde o “verdadeiro” imerge a população. Na obra “O que é Pós-Moderno?”, de Jair Ferreira dos Santos, o autor afirma que

preferimos a imagem ao objeto, a cópia ao original; o simulacro (a reprodução técnica) ao real; E por quê? Porque desde a perspectiva renascentista ocidental foi uma corrida em busca do simulacro perfeito da realidade. Simular por imagens como na TV, que dá o mundo acontecendo, significa apagar a diferença entre real e imaginário, ser e aparência. Fica apenas o simulacro passando por real. Mas o simulacro, tal qual a fotografia a cores, embeleza, intensifica o real. Ele fabrica um hiper-real, espetacular, um real mais real e mais interessante que a própria realidade. (SANTOS, 2000, p.12)

Jean Baudrillard, sociólogo francês pós-moderno que introduziu o conceito de Simulacros e Simulação (1981), já afirmava que "livre do real, você pode fazer algo mais real que o real: o hiper-real”. Hiper-realidade, em suma, é a fábrica de ilusões, um lugar onde a realidade não existe e os mundos se confundem. Um exemplo disso são os relacionamentos fakes na internet, onde duas pessoas criam perfis falsos e iniciam um relacionamento; mais uma vez tem-se o prazer momentâneo e a falta de preocupação com o futuro. Assim, a vida entre o mundo “real” e o “fake” confunde-se até o momento em que as pessoas envolvidas já não sabem diferenciar o que é real do que é ilusão.

Meg Greer vive, apesar das tentativas do marido de voltar à “normalidade”, uma grande ilusão. Trabalha todos os dias, sai às ruas e vive plenamente sem que seu corpo experimente nada disso. A ilusão está exatamente nisso... não é ela quem mantém o contato social, mas um robô. Em seu quarto, onde nem mesmo Tom pode entrar, está uma mulher desiludida com a vida, triste pelo filho perdido, provavelmente fora de seu peso ideal, insegura e mais velha. Por mais que não admita, Meg tem medo. Em um dos diálogos entre ela e o marido, Tom afirma que “você está assustada, só isso”.

E tanto na Alegoria quanto nas obras de Bauman, além da força da imagem, o medo é um fator condicionante para o consumismo capitalista. Em “Medo Líquido” (2008), Bauman faz uma análise profunda das ansiedades na Modernidade Líquida e do medo que se apodera das pessoas. Segundo o autor, as certezas da modernidade sólida se foram, e, com isso, a utopia do controle sobre os mundos social, econômico e natural desmoronou.

“Os publicitários”, comenta Stephen Graham, “têm explorado deliberadamente os medos generalizados de terrorismo catastrófico para aumentarem ainda mais as vendas dos utilitários esportivos, altamente lucrativos.” (BAUMAN, 2007, p.18)

A VSI usou o medo natural da sociedade de envelhecer para vender um produto, a promessa da juventude enquanto viver. Em todas as ruas há um anúncio vendendo melhorias para os SUBs, nos trens e plataformas, avisos de upgrades, e nas telonas da empresa, imagens em alta definição de pessoas perfeitas em situações ainda mais perfeitas, uma forma de capturar a atenção, despertar o desejo e causar a ação de compra.

O objetivo de qualquer campanha de marketing é tornar uma marca tão conhecida ao ponto de transformá-la numa marca Premium, tornar a venda supérflua e vender estilo de vida através da marca. A VSI faz isso muito bem, vende o estilo da “juventude eterna” para conquistar espaço e controlar a sociedade.

“Vigilância líquida”, 2014, retoma parcialmente a questão do medo e insegurança humana, o que resulta na proliferação de câmeras vigilantes e quaisquer outros equipamentos de segurança. No filme, todos os espaços públicos têm câmeras de vigilância que concentram as imagens em uma Central de Segurança, onde uma pessoa normal, ironicamente, tem o poder de ligar e desligar todo e qualquer Surrogate, monitorar e, assim, evitar que crimes aconteçam. Não é a invulnerabilidade dos Substitutos que diminuiu o índice de criminalidade, mas sim a vigilância ininterrupta que localiza criminosos e os desconecta a tempo de evitar qualquer mal.

Mais adiante no filme, descobre-se que a primeira vítima conhecida pela polícia das mortes “impossíveis” é o filho do inventor dos Substitutos, Lionel Canter. Lionel já é um homem velho, com dentes sujos e uma mansão a seu dispor, mas nem mesmo todo o seu dinheiro é o suficiente quando ele percebe que fez uma incrível besteira ao criar substitutos e revolucionar o mundo. Com o filho morto, Canter vive apenas para vingar sua morte e “curar a humanidade”. Ironicamente, O Profeta era, na verdade, um SUB controlado por Lionel para militar contra o uso dos SUB.

Após inúmeros acontecimentos no filme, Lionel consegue tomar o controle do SUB da Agente Peters e invade a Central de Comando de Rede com a mesma arma capaz de matar os operadores dos substitutos. Ao chamar Stone – chefe de polícia e responsável pelo assassinato do filho de Canter –, um diálogo entre os dois evidencia que Lionel realmente se arrepende de ter inventado os Surrogates, mas talvez seja um pouco tarde demais. Para ele, a humanidade morreu quando se plugou àquelas máquinas, está viciada e sem chances de regressão. Sua última opção é, então, destruir a Rede de Comando e, com a mesma arma que matou seu filho, matar a humanidade.

“Você cria a tecnologia, muda o mundo e agora quer destruí-la? E para quê? Pra gente retroceder, pra todo mundo viver como Dreads?”, tentou argumentar Stone, chefe de polícia, incrédulo. São poucas palavras antes de ser assassinado, mas é o suficiente para provar o quanto a substituição tornou-se indispensável para a sociedade, realmente um vício.

Quando desenvolveu os Surrogates, Canter tinha um propósito: dar poder a quem não tinha. Permitir que outros como ele [cadeirante] pudessem andar, viver uma vida normal. Mas as coisas saíram de controle e a humanidade transformou um objeto de necessidade para aqueles que precisavam em algo supérfluo para consumo em massa. Seu ideal é curar o mundo, mas, segundo ele, o único jeito de matar o vício é matar o viciado. Seria o renascimento da humanidade.

Greer, entretanto, parece ser o único que pode impedir um massacre em escala global ao invadir a casa de Canter, mas não teve tempo de impedir que Lionel cometesse suicídio antes de iniciar o processo que mataria bilhões de pessoas conectadas em segundos. Com um pouco de drama e o típico “5 segundos antes do fim do mundo” que quase todo filme tem, Greer consegue salvar as pessoas, isolando-as da rede e protegendo-as da morte iminente, mas os SUB do mundo inteiro estão prestes a entrar em curto e Greer precisa evitar isso e abortar... Vê-se então sua hesitação quando ele pergunta pela segunda vez se as pessoas estão seguras. No último segundo, porém, Greer destrói todos os SUB e queima a rede. O mundo para e cenas dos substitutos caídos no chão são mostradas em sequência, evidenciando o caos que restou e o silêncio.

Então as pessoas finalmente saem de casa para ver os estragos, e é nesse momento que percebe-se que na realidade são bem diferentes da estética que mostram nos SUBs. Greer volta para casa à procura de Meg e encontra vários vidros de remédios, provavelmente frutos de uma depressão... Mas Meg está no quarto do filho perdido, e não é tão velha quanto pensava-se. Eles se tocam pela primeira vez em anos e trocam um abraço, porém, nada é dito.

Com um aviso de repórteres da televisão, a frase que fecha o longa-metragem é uma explicação do que aconteceu seguida da constatação de que sem os SUBs, “pelo menos por enquanto, estamos por conta própria”.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Acerca de tudo que foi discutido e dos dados analisados, percebe-se que o filme, como era imaginado nos objetivos iniciais, é um reflexo metafórico da sociedade atual, em que os laços humanos sólidos e duradouros foram substituídos por laços frágeis e momentâneos.

A principal indagação desde o início do presente artigo era o modo como são tecidas as relações interpessoais no filme em paralelo à realidade humana sob a ótica de Zygmunt Bauman, pensando na tendência de distanciamento entre as pessoas. Estudar Bauman foi de suma importância para compreender a época contemporânea, e apesar de ter uma visão pessimista, o autor acreditava que as relações interpessoais foram modificadas para algo fluído, que toma formas diferentes a tempos diferentes, toda uma característica de uma época que consegue adaptar-se aos diferentes momentos. Ponto para Bauman.

Para o publicitário, porém, a situação é mais complexa, pois com a volatilidade do cliente, as peças devem ser elaboradas tendo em mente que a campanha publicitária é imediata, muitas vezes para algumas horas apenas, levando em consideração a rapidez com que a tecnologia e internet dá aos consumidores novas opções.

Concomitantemente, tem-se o medo, instituído por Bauman como um dos catalisadores da ação de compra no consumidor. Pode não ser o medo presente no filme, mas todo produto de beleza, por exemplo, utiliza o medo de envelhecer em suas campanhas, os alimentos saudáveis passam pelo horror de engordar ou ter problemas de saúde, remédios, teoricamente, acabam com a angústia de morrer e roupas novas destroem o medo de ficar fora da moda.

a peça publicitária substitui o todo pela parte. As vendas crescem graças a suprimentos de angústia que excedem em muito a capacidade de cura do produto. (BAUMAN, 2004, p. 69)

A publicidade, hoje, faz quase a mesma coisa que a VSI. Cria um produto, desenvolve um benefício baseado no medo e espalha para o mundo uma campanha para gerar a compra e um valor para o produto, de tempos em tempos reforçando a campanha. O uso de Surrogates não era obrigatório, já que os Dreads se reusavam a participar do uso das máquinas, logo, a VSI vivia de propaganda.

Tudo, hoje, depende de uma propaganda bem feita, e a tecnologia é a grande auxiliadora. Entretanto, se por um lado a tecnologia ajuda os seres humanos e facilita as tarefas diárias, também torna-os estão cada vez mais dependentes, fazendo-os trocar a força humana pela das máquinas. As relações entre as pessoas estão se mediando através da tela de um computador ou celular, e isso tornou-se ainda mais perceptível durante a realização do artigo. No transporte público, por exemplo, milhares de pessoas se encontram todos os dias, mas o silencio é ensurdecedor quando percebe-se que essas mesmas pessoas passam a viagem inteira grudadas na tela do celular, conversando com alguém que está longe.

A tecnologia veio com o objetivo de aproximar as pessoas que estavam longe, mas assim como Canter viu sua obra ser transformada num objeto supérfluo, a internet caminha para a mesma conclusão ao afastar as pessoas que estão perto. De acordo com Weslley L. da Fonseca (2011, p.9), em um artigo científico acadêmico, “a tecnologia pode e deve ser utilizada como auxiliadora e facilitadora, e não como substituta”.

Assim, após problematizar as relações humanas substituídas por simulacros, os objetivos secundários foram atingidos ao tecer uma ligação entre o filme e a realidade, chegando à conclusão de que Bauman, apesar de não ser profeta, acertou em muitos pontos de sua vida acadêmica, delatando a efemeridade moderna que ganha cada vez mais espaço.

Por fim, o presente artigo finaliza suas discussões fazendo uso de uma frase adquirida de um artigo científico, no qual aponta o grande mal do século e, também, um novo caminho para os publicitários.

o consumidor é seduzido pela beleza dos anúncios, adquire por mero impulso os produtos edulcorados pelos recursos tecnológicos, (mesmo que para isso tenha de se afogar em dívidas), e só então avalia se eles eram realmente necessários em sua vida, quanto tempo deve esperar para descartá-los e partir para a aquisição de outros ‘diferentes’. (NEGRI, 2012, p.98)

6. REFERÊNCIAS

BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e Simulação. Lisboa. Relógio D’Água: 1981.

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e ambivalência. Rio de Janeiro. Zahar: 1999.

________________. Modernidade líquida. Rio de Janeiro. Zahar: 2001.

________________. Amor líquido. Rio de Janeiro. Zahar: 2004.

________________. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.

________________. Tempos líquidos. Rio de Janeiro. Zahar: 2007.

________________. Vida líquida. Rio de Janeiro. Zahar: 2007.

________________; MEDEIROS, Carlos Alberto. Medo líquido. Rio de Janeiro: Zahar, 2008

________________. 44 cartas do mundo líquido moderno. Rio de Janeiro. Zahar: 2011.

________________. A cultura no mundo líquido moderno. Rio de Janeiro. Zahar: 2013.

________________. Vigilância líquida. Rio de Janeiro. Zahar: 2014.

DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de janeiro. Contraponto: 1997.

FONSECA, Weslley Lindemberg da. “Substitutos” – A vida por trás de um Avatar. Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp) Eng. Coelho. [suporte eletrônico] Disponível em: <http://www2.metodista.br/unesco/1_Ecom%202012/GT5/35.Substitutos%20-%20A%20vida%20por%20tr%C3%A1s%20de%20um%20avatar_Weslley%20Fonseca.pdf>. Acesso em 31 de janeiro de 2016.

HOUAISS, Dicionário Online da Língua Portuguesa. Disponível em: <http://houaiss.uol.com.br/>. Acesso em 31 de janeiro de 2016.

MARX, Karl. O Capital. Vol 1. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira: 2014.

MASLOW, Jonathan; HOBERMAN, David; VENDITTI, Robert. Os Substitutos. [Filme-vídeo]. Produção de David Hoberman e Robert Venditti, direção de Jonathan Mostow. EUA. Touchstone Pictures: 2009.

MORAES, Vinicius de. Antologia Poética. Rio de Janeiro, Editora do Autor: 1960.

NEGRI, Marina A. E. Apropriações do Pensamento de Zygmunt Bauman para Análise da Criação Publicitária Contemporânea. Tessituras & Criação. [suporte eletrônico] Disponível em: <http://revistas.pucsp.br/tessituras>. Acesso em 31 de janeiro de 2016.

PLATÃO. A República. 3ª ed. São Paulo, Martin Claret: 2014

SANTOS, Jair Ferreira dos. O que é pós-moderno. 19. reimpr. São Paulo: Brasiliense, 2000.


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